Enterrem o meu ego numa urna de safira (carta de um suicida do núcleo umbilical)
Vinte minutos era o tempo restante entre a mordida que eu dava naquele sanduíche de rodoviária e o momento indicado pelos algarismos arábicos impressos no bilhete de passagem enfiado no bolso da minha calça.
A quantidade de vidas e histórias que circularam naquele ambiente no qual não havia nenhuma definição certa de área de interesse inquietava-me quanto mais eu brincava de devanear acerca disto. E a aflição era acrescida de demência se o intervalo periódico fosse expandido pela minha imaginação retardada.
Algumas pessoas que ocuparam aquele mesmo espaço muito antes deste que vos fala já estavam pra lá de Bagdá e outras nem existiam mais. Gente que bateu as botas e gente que foi pra casa do... pipi. Mas de que adianta abrir o leque dos anos se o que me convém são os vinte minutos que me cabem? Vinte, não, porque, depois deste passeio inútil que os meus neurônios vagabundos deram entre o córtex pré-frontal e o sistema límbico, só me sobram dezesseis e uns tique-taques.
Enquanto nenhuns deste segundo arquétipo de pessoas souberem que este ser aqui perde os seus desgraçados dias com bobagem, eu estou a salvo. O importante é fazer cara de inteligente pra ninguém descobrir que eu sou babaca. Tá bom, pateta, mas que picas é esse negócio de "segundo arquétipo de pessoas"? Ora... o primeiro sou eu...
Nas cacholinhas desastradas do segundo arquétipo não passa filme mais cult. Eles são tão bisonhos quanto eu. Quer ver só?
– Moça, você sabe onde fica o toalete?
– O feminino fica do lado do quiosque de esfiha.
Viu? Ela também pensa que é o centro do universo. E eu lá vou querer saber onde é a divisão de descarrego das vulvas? Não nesta encarnação...
Eu poderia utilizar estes... agora, doze minutos que se esfarelam pra compor uma poesia. Sim, eu gosto de escrever poemas. Não de ler, somente de escrever, porque a mim são relevantes apenas os meus sentimentos. Mas, na hipótese de você ter algumas linhas de versos vomitadas na sua caderneta, mostra aí, meu. Quem sabe eu não me identifico com algum pedaço...
Entretanto, se a trajetória da sua existência neste planetinha de meu Deus for totalmente discrepante às memórias da realidade que o destino a mim reservou, eu quero que você pegue os seus rabiscos e... guarde bem guardadinho.
Educação é uma palavra cujo significado grafado no dicionário deveria ser "habilidade de não verbalizar aquilo que se pensa".
Por isto fingimos que nos interessamos uns pelos outros. E, de modo geral, somos bem-sucedidos no desempenho deste talento aprendido e transmitido entre gerações. É claro que remanescem "licenças poéticas" que nos permitem quebrar a regra, como agora, ao estruturar-se textualmente construções assentadas por meandros gramaticais que envolverão com simpatia quem lê, afinal o receptor estava ávido pela sensação de alívio que, nesta ocasião, é-lhe proporcionada: o encontro com dizeres sinceros que ele sempre carregou dentro de si em formato de percepções emotivas que nunca foram traduzidas em vocábulos.
Esta é a minha única estratégia pra fazer que gostem de mim porque, se você não detectar semelhanças entre o seu egozinho autocentrado e o meu discurso aporrinhante, nego, eu tô na roça.
E, na circunstância de cansarmo-nos de tamanho narcisismo, expelimos nossos DNAs pra que possamos estimar outrem. O que não nos redime de nada porque este apego acaba sendo por um "segundo eu". Assim fica fácil amar o próximo. E, quando queremos criar afeição por qualquer porção de átomos vivos que não seja os nossos próprios DNAs, compramos um cachorro, uma criatura que corresponde com maior facilidade, quase não nos contraria e não quer ser mais do que nós. E, caso a natureza nos aborreça com o famigerado peso de consciência que faz sentirmo-nos "Richthofens", ainda temos o subterfúgio do plágio: imitamos o comportamento da afabilidade e levamos um órfão pra ingerir carboidratos num fast-food que reproduz a alegoria circense em quaisquer dos dias que antecedem a véspera de natal, já que na véspera em si, compartilharemos o sentimento original da benquerença com os nossos próprios ácidos desoxirribonucleicos.
E, se você ousar discordar de mim, eu sinto vontade de meter uma bala no meio dessa sua testa. E só não o faço porque – mesmo que as leis dos mortais não me peguem – a minha maldita mente foi desafeiçoada com os inconvenientes genes do sofrimento pela dor alheia. Estes detestáveis dispositivos, que foram essenciais pra continuidade da presença humana no globo terrestre até o instante atual, responsáveis pela vulga "lei da boa vizinhança", não me deixarão ressonar os meus "decibélicos" roncos noctâmbulos em paz. Só por isto. Ah, e também porque eu não sou cem por cento ateu. Mesmo que seja ínfima a possibilidade de haver um Deus, vai que o calhamaço milenar seja fidedigno... Deus me livre!
Caramba, que horas são? Se eu me atrasar e perder o filme "Cosmópolis", dou um tiro na minha cabeça...
– Vixi, moça, eu perdi o meu ônibus...
– O meu só sai às 14h55.
Mingau Ácido (Marcelo Garbine)
Veículos de mídia impressa ou eletrônica interessados em publicar este texto podem entrar em contato.
A quantidade de vidas e histórias que circularam naquele ambiente no qual não havia nenhuma definição certa de área de interesse inquietava-me quanto mais eu brincava de devanear acerca disto. E a aflição era acrescida de demência se o intervalo periódico fosse expandido pela minha imaginação retardada.
Algumas pessoas que ocuparam aquele mesmo espaço muito antes deste que vos fala já estavam pra lá de Bagdá e outras nem existiam mais. Gente que bateu as botas e gente que foi pra casa do... pipi. Mas de que adianta abrir o leque dos anos se o que me convém são os vinte minutos que me cabem? Vinte, não, porque, depois deste passeio inútil que os meus neurônios vagabundos deram entre o córtex pré-frontal e o sistema límbico, só me sobram dezesseis e uns tique-taques.
Enquanto nenhuns deste segundo arquétipo de pessoas souberem que este ser aqui perde os seus desgraçados dias com bobagem, eu estou a salvo. O importante é fazer cara de inteligente pra ninguém descobrir que eu sou babaca. Tá bom, pateta, mas que picas é esse negócio de "segundo arquétipo de pessoas"? Ora... o primeiro sou eu...
Nas cacholinhas desastradas do segundo arquétipo não passa filme mais cult. Eles são tão bisonhos quanto eu. Quer ver só?
– Moça, você sabe onde fica o toalete?
– O feminino fica do lado do quiosque de esfiha.
Viu? Ela também pensa que é o centro do universo. E eu lá vou querer saber onde é a divisão de descarrego das vulvas? Não nesta encarnação...
Eu poderia utilizar estes... agora, doze minutos que se esfarelam pra compor uma poesia. Sim, eu gosto de escrever poemas. Não de ler, somente de escrever, porque a mim são relevantes apenas os meus sentimentos. Mas, na hipótese de você ter algumas linhas de versos vomitadas na sua caderneta, mostra aí, meu. Quem sabe eu não me identifico com algum pedaço...
Entretanto, se a trajetória da sua existência neste planetinha de meu Deus for totalmente discrepante às memórias da realidade que o destino a mim reservou, eu quero que você pegue os seus rabiscos e... guarde bem guardadinho.
Educação é uma palavra cujo significado grafado no dicionário deveria ser "habilidade de não verbalizar aquilo que se pensa".
Por isto fingimos que nos interessamos uns pelos outros. E, de modo geral, somos bem-sucedidos no desempenho deste talento aprendido e transmitido entre gerações. É claro que remanescem "licenças poéticas" que nos permitem quebrar a regra, como agora, ao estruturar-se textualmente construções assentadas por meandros gramaticais que envolverão com simpatia quem lê, afinal o receptor estava ávido pela sensação de alívio que, nesta ocasião, é-lhe proporcionada: o encontro com dizeres sinceros que ele sempre carregou dentro de si em formato de percepções emotivas que nunca foram traduzidas em vocábulos.
Esta é a minha única estratégia pra fazer que gostem de mim porque, se você não detectar semelhanças entre o seu egozinho autocentrado e o meu discurso aporrinhante, nego, eu tô na roça.
E, na circunstância de cansarmo-nos de tamanho narcisismo, expelimos nossos DNAs pra que possamos estimar outrem. O que não nos redime de nada porque este apego acaba sendo por um "segundo eu". Assim fica fácil amar o próximo. E, quando queremos criar afeição por qualquer porção de átomos vivos que não seja os nossos próprios DNAs, compramos um cachorro, uma criatura que corresponde com maior facilidade, quase não nos contraria e não quer ser mais do que nós. E, caso a natureza nos aborreça com o famigerado peso de consciência que faz sentirmo-nos "Richthofens", ainda temos o subterfúgio do plágio: imitamos o comportamento da afabilidade e levamos um órfão pra ingerir carboidratos num fast-food que reproduz a alegoria circense em quaisquer dos dias que antecedem a véspera de natal, já que na véspera em si, compartilharemos o sentimento original da benquerença com os nossos próprios ácidos desoxirribonucleicos.
E, se você ousar discordar de mim, eu sinto vontade de meter uma bala no meio dessa sua testa. E só não o faço porque – mesmo que as leis dos mortais não me peguem – a minha maldita mente foi desafeiçoada com os inconvenientes genes do sofrimento pela dor alheia. Estes detestáveis dispositivos, que foram essenciais pra continuidade da presença humana no globo terrestre até o instante atual, responsáveis pela vulga "lei da boa vizinhança", não me deixarão ressonar os meus "decibélicos" roncos noctâmbulos em paz. Só por isto. Ah, e também porque eu não sou cem por cento ateu. Mesmo que seja ínfima a possibilidade de haver um Deus, vai que o calhamaço milenar seja fidedigno... Deus me livre!
Caramba, que horas são? Se eu me atrasar e perder o filme "Cosmópolis", dou um tiro na minha cabeça...
– Vixi, moça, eu perdi o meu ônibus...
– O meu só sai às 14h55.
Mingau Ácido (Marcelo Garbine)
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Essa também é legal!
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