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Oito cantos sagrados
Plantei, na terra, mágica semente

Notei que berra, tragicamente

A serena Flor que vejo que brota

E que pena a dor, beijo idiota.



Néscio é o beijo desse jardineiro

Cresce o desejo, vê-se o corpo inteiro

Regozijar prazer do nascimento

Peculiar é o ser, novo rebento.



Tento explicar tamanha euforia

Vento do mar com sanha viria

Soprar a folha da ímpar Florzinha

Pra lá se recolha. Ela é só minha.



Ficam no ar, oito cantos bradados

A fecundar, coito santo sagrado

Primeiro, o semear dessa semente

Certeiro a cavar, apressa somente.



Pra que, prematura, ela nasça tão linda

Buquê de ternura com taça se brinda

Champanhe, derrama-se, naquela raiz

Estranhe a grama, se tão bela Flor diz:



Que não é mais só verde aquele jardim

Em vão, queres, mas vedes, que nasceu, enfim

Colorida, minha Flor, que exala perfume

Na vida tinha dor. Cala e acostume.



Com a doce umidade do ar que respiro

Como fosse a cidade brotar desse lírio

Eis que surgem abelhas voando nas flores

Tal que fulgem vermelhas, trocando as cores.



Em segundo, o despontar da primeira folha

Vem pro mundo estourar da champanhe a rolha

Comemora, em terceiro, o crescer fina Flor

É Senhora em canteiro e crê ser sina a dor.



A dor que, até no vegetal, forte lateja

Se for a pé pro verde, tal norte almeja

Diz: dói meus pés a caminhar florida vereda

Destrói deus, fés e meu altar: ferida de seda.



A dor suave, eu diria, é o quarto canto bento

Louvor, um Ave Maria, tão farto que me sento

No gramado. Apoio queixo e olho botão abrindo

E, cansado que dói, eu deixo o óleo escorrer, tão lindo.



Fúcsias oleosas fluem como rio no rosto abaixo

Núpcias tão gostosas como não se viu, meu gosto, eu acho

Casamento complacente foi entre Flor e homem

Tormento estridente, no ventre, e dor somem.



O quinto é a Flor banhando-se na chuva

Eu sinto minha dor virando-se na curva

Ternura: água macia que cai do firmamento

Já cura a mágoa e mania de “ai, que sofrimento”.



O sexto é, aqui, o sol que já raia amarelo, carmine

Contexto do si bemol que espraia Marcelo Garbine

Os raios que brilham e secam a ímpar Florzinha

Lacaios se humilham e pecam por coisa tão minha.



Canta o sete a fria brisa muito fresca advinda distante rochedo

E remete e suaviza à nababesca e tão linda amante, mais cedo

Minha amante é a Flor com as suas pétalas bruxuleantes que missiva malversa

Doravante, eu vou com minhas metas, mas puxo, antes, a flertiva conversa.



Carta roubada me fora, pois, se sabe Ela os meus mais íntimos segredos

Farta e cansada, a Flor é dois D: donzela e deus, tais ínfimos os medos

Pavor da pureza e do majestoso mesquinho é pequeno comparado ao cansaço

Repor à minha mesa meu tão gostoso vinho chileno comprado no paço.



O Flerte meu com a Flor no festim do palácio de malvo

Asserte meu que a dor no meu rim errasse o alvo

E fosse parar bem distante do descanso que desfrutamos

Tão doce e tão zen, amante, sem ranço, me escuta: te amo.



Enfim, o oitavo soneto sussurro à hemácia do sangue

O fim de um bravo dueto: casmurro e iridácea exangue

Florzinha bela e ereta, no fulgor da lua calma, se deleita em absinto

Adivinha Ela, tão certa, o amor por sua alma que, na espreita, eu tanto sinto.



Marcelo Garbine



Poesia publicada na Revista Literária da Lusofonia – Décima Terceira Edição – abril de 2015 – Página 08.

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